Hilda Hilst na Casa do Sol
SE EU DISSER
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vem sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
DO DESEJO
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
***
Colada à tua boca a minha desordem.O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
ALCOÓLICAS I
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A Vida é líquida.
CANTARES DO SEM NOME
Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.
Hilda Hilst (1930 / 2004)
é considerada uma voz importante da língua portuguesa no século 20. dona de uma linguagem inovadora, produziu mais de quarenta títulos entre poesia, teatro e ficção, ganhando inúmeros prêmios literários.
Bah, adorei conhecer esses poemas. Não conhecia essa autora ainda. Mas vou pesquisar mais sobre o trabalho. Os poemas são de uma natureza profunda^^
ResponderExcluir:*
Alê!
ResponderExcluirSeu blog tá demais! Tudo de muito bom gosto ;)
As vezes entro aqui pra alimentar a alma.
Abraço apertadinho
Hilda Hilst é demais mesmo!
ResponderExcluirótima escolha para o blog!
beijo
Hilda Hilst é fenomenal!
ResponderExcluirAdoro a voz da poesia dela!
Suzy Si Ju tita...
ResponderExcluiruma alegria
a visita qualificada de vcs.
Hilda Hilst
é poeta com densidade além da conta.
linguagem própria, apurada, ímpar.
como Hilda Hilst só Hilda Hilst.
sorriso e beijos.