27/03/2009

tese sobre nada


uma caligrafia do imaginário
se reproduz segundo um código cifrado
em que se representam as idéias mediante caracteres simbólicos
metáforas consecutivas consideradas organicamente
nas constelações a que pertencem
sem auxílio de referências outras que não elas mesmas
mas, ao acolher ecos e reverberações sígnicas não mensuráveis
mantém um sentido, nas feições, no gesto
sempre transfigurado

assim uma escritura em ruptura
que avança do familiar ao desconhecimento
é lavrada no livro secreto das dúvidas
e, sem aparente significado especial
desprovida de qualquer relevância imediata
apenas e tão somente
articula substâncias essenciais medulares
exprimindo, por alusão, matéria subliminal
potencialmente transgressiva

pois esta entidade abstrata
esta quase impossibilidade
literalmente incapaz de ser definida
e determinada com certeza e/ou precisão
propaga-se, conceitual e esteticamente
quer por intangível que seja
quer por outro qualquer motivo
para além dos mapas tábuas e notações pré-estabelecidas
onde por exemplo, pedra em relação a ventania
harpia em relação a fósforo
ou ainda estrevania em relação a betoneira
habitam o âmago de uma mesma incógnita

sinto muito pelos cinco sentidos
não sentem o que eu sinto
os dois pés na cabeça de um fermento
encalacrado fora da zona de segurança
quando cada pormenor sem valor é crucial
e percorre o mesmo sol insólito dos hieróglifos
e, diferentemente do que se enuncia
a complexa simplicidade das coisas não requer preâmbulos
afirma-se per si, por abrasão, atrito, ou pelo puro
logológico jogo dos esquivocábulos

em sendo assim
uma poética das arestas é o que resta
protuberância viva no desmesuradamente plano
a parte visível do infinitamente dentro
o quinto lado do triângulo
.
alexandre brito
do inédito Cine ABC.

13 comentários:

  1. ah agora acho que li um seu,né?
    Faz parte de um livro seu?
    Depois vou ler de novo..é lindo mas para absorver melhor ,temos que ler mais vezes.´
    Mas posso dizer que tem muito mais qualidade do que muita coisa que vejo publicada por aí.
    beijos

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  2. Querido Amigo, adoro o seu blog.Tudo de muito bom gosto.Obrigada por nos presentear com seus poemas!
    Beijos,
    Sinara

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  3. Camarada Alexandre, ca estou marcando minha presença por aqui... espiando, caminhando com meus pes sem pele. Belos textos, mermão! Apareça sempre! Grandeabraço! Lau

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  4. Nossa, uma escrita plurissignificativa a começar pelo paradoxo do título. Um poema q, de forma revolucionária, se expõe. Entre a tese e a não tese, ou a antítese vonlutária, fico com a subversão dos enquadramentos, um poema q se sustenta por si mesmo - o eu poético sente muito pelos sentidos, e eu sou toda sentidos diante de tal poesia poética. Fica um abraço sobre tudo!!! ;)

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  5. Tua poesia explora todos esses meandros do ser poético: extrapolar os sentidos, buscar sinestesias.
    a construção de arestas me seduz muito mais que o corte.
    o delírio do verbo.. o espinho da rosa... e eis a tua escrita...

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  6. sinto muito pelos cinco sentidos
    não sentem o que eu sinto



    pronto...Ô poeta!

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  7. Oi, Alexandre!!! E o Cine ABC vai ganhando corpo. Bj : )

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  8. Alexandre,
    legal que postou a "tese sobre nada", gosto muito desse poema.
    "caligrafia do imaginário".."sinto muito pelos cinco sentidos/não sentem o que eu sinto" e as tantas outras expressões certeiras que usa.
    viva "Cine ABC"!!

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  9. oi,
    a temática do nada sempre me interessou.
    gostei do poema, tem ritmo e dicção bem construídos e jogadas semanticas interessantes.

    voltarei mais vezes
    :)
    abraços

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  10. esqueci de falar no comentario anterior...

    vou linkar esse blog...

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  11. "sinto muito pelos cinco sentidos
    não sentem o que eu sinto"
    adorei;*-*
    bjos

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  12. "A complexa simplicidade das coisas não requer preâmbulos..."

    Alexandre, este poema está bom demais! É riquíssimo.

    Grande beijo

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