27/04/2008



OS AMANTES


Prometeus distraídos
tomam de assalto a casa de Chronos
e roubam-lhe o fogo

inocentes, cometem o pecado original dos tolos.
param os relógios do mundo.
extinguem os limites do corpo.

desprezam alegremente os apelos
da razão. ignoram, com razão
os apelos do não.

findo
o êxtase arrebatador
a dança nupcial dos feromônios, o enlevo
a fúria imortal
os alcança.

cai a mão pesada sobre suas cabeças.
decepam-lhes as asas. arrancam-lhes as pálpebras.
às vespas com impiedoso zelo.

um
lançado ao abismo da incerteza.
o outro, às alturas da solidão.

assim permanecerão
infinitamente perdidos um do outro para sempre.
o tempo não passa quando esperamos por algo que não virá.

um náufrago
sabe ter poucas horas de vida.
os amantes, nem isso.

terão de suportar silenciosamente
a eternidade de cada segundo
sem fim.


alexandre brito
do inédito Cine ABC.

5 comentários:

  1. "um/lançado no abismo da incerteza./o outro/às alturas da solidão."
    belo poema, Alexandre.
    Cine ABC promete!
    beijo

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  2. Muito bom! Cada vez mais surpreendentes os teus versos alexandrinos!

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  3. "o tempo não passa quando esperamos por algo que não virá."
    Que lindo Alexandre!
    Belos versos!
    beijo

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  4. Alexandre meu querido, belo blog e belo poema. Retribuo a fruição da leitura com este acabado de sair do forno.

    Abraço saudoso



    A DONZELA DE ZEUS

    Aníbal Beça ©


    Caço um rugido de sol
    Odisseu sedento e lasso
    alço-me a um mar de ninfas
    escarpado
    nos ventos de cílios
    céleres

    Das ondas vejo-a nascida
    do botão do olho mais dócil
    onde um vitral fundeado
    recolhe as velas da nave.

    Tomo-lhe a mão
    de cambraia
    a vestidura de
    incógnitas.

    Desço
    suavemente ao dorso
    com as mãos cheias de larvas
    revolvidas ao vulcão
    num jogo de fogo e espelho.

    Só na brasa dos mamilos
    encontro a concha das mãos
    suor sereno arrepio
    um mar salgado na boca.

    Ó Ítaca distante!

    A língua se evola lânguida
    estilingue em
    espiral
    pedra elástica na praia
    tomando de assalto o lago.

    Por um momento sei-me prancha
    e ela um trampolim de pétalas
    na fúria de Poseidon
    pouso em Penélope

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  5. Tem certas coisas que o silêncio fala mais que qualquer palavra...foi assim que fiquei após ler. Parabéns.Lindo demais.

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