28/08/2009

download mp3 Tropicalia Panis Et Circencis baixe gratis aqui

"Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia, resplendente, cadente, fagueira, no calor girassol com alegria, na geléia geral brasileira que o jornal do Brasil anuncia..."

1968... o ano que não terminou, um movimento se anuncia e chega com tudo, quebrando paradigmas, criando comportamentos, chocando o conservadorismo vigente e deixando fortes marcas na história musical brasileira, um concentrado de tudo o que havia em medidas esteticamente proporcionais e de admirável beleza.

A bossa nova, o brega, o trágico com um que de comicidade de Vicente Celestino, o rock'n'roll, as guitarras elétricas, o samba, os Beatles, Hendrix, a antropofagia, o cinema marginal de Sganzerla, o cinema novo de Glauber, o concretismo, Mautner, Hélio Oiticica, a pop art e mais inúmeras atitudes revolucionárias, são alguns dos ingredientes que fizeram engrossar essa geléia que teve em Gil, Caetano e Rogério Duprat a sua maior representação. Muitos outros também fizeram parte, mas musicalmente falando o núcleo principal é esse aí.


"Tropicália ou Panis et Circencis", lançado em agosto de 1968, é um disco manifesto, nele temos a síntese do que é o movimento tanto musicalmente quanto esteticamente. Cada faixa, uma faceta revelada, uma identidade, um conjunto de extrema coerência.

o Tropicalismo ou Movimento tropicalista foi um movimento cultural brasileiro que surgiu sob a influência das correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop nacional e internacional (como o pop-rock e o concretismo); Contrabandoeou do Modernismo de 22 a idéia da "Antropofagia", transvertida para o conceito de "Geleia Geral"; mesclou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais. Tinha também objetivos sociais e políticos, mas principalmente comportamentais, que encontraram eco em boa parte da sociedade, sob o regime militar, no final dos anos 60. O movimento manifestou-se principalmente na música (cujos maiores representantes foram Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, Os Mutantes, Capinam e Tom Zé); houveram manifestações artísticas diversas, como nas artes plásticas (destaque para a figura de Hélio Oiticica), no cinema (o movimento sofreu influências e influenciou o Cinema novo de Gláuber Rocha) e no teatro brasileiro (sobretudo nas peças anárquicas de José Celso Martinez Corrêa).

neste site aqui tem informações e fotos legais desse momento, ou movimento, como queiram, que no dizer de Gilberto Gil "...limpou, arou, plantou, mas não colheu."

ouça o discurso inflamado de Caetano Veloso no III Festival de Música Popular Brasileira da Record de 1969 aqui.

baixe o LP Tropicália por aqui
repostando Walt Whitman, porque Walt Whitman é Whalt Whitman.
dois poemas de "Folhas da Relva" - foto: Walt Whitman


SAINDO DE PAUMANOK
(fragmento)

11.
Uma vez no Alabama, enquanto eu dava
o meu passeio matinal,
vi pousada uma fêmea de pardal
em seu ninho entre os galhos
chocando seus filhotes.

Eu vi também o passarinho-macho
e parei a escutá-lo
ao alcance da mão
inflando o peito e gorjeando em júbilo.

E estando ali parado, me ocorreu
que o canto dele
não era só para o que estava ali,
nem para a parceira dele
nem mesmo para ele só,
nem para tudo que os ecos mandavam
de volta
- mas muito além, sutil e clandestina,
era mensagem transmitida e oculta herança
para os que estavam acabando de nascer.


ENQUANTO EU LIA O LIVRO


enquanto eu lia o livro,
a famosa biografia:
- então é isso (eu me perguntava)
o que o autor chama
a vida de um homem?
e é assim que alguém,
quando morto e ausente eu estiver,
irá escrever sobre a minha vida?
(Como se realmente alguém realmente soubesse
de minha vida um nada,
quando até eu, eumesmo, tantas vezes
sinto que pouco sei ou nada sei
da verdadeira vida que é a minha:
somente uns poucos traços
apagados, uns dados espalhados
e uns desvios, que eu busco
para uso próprio, marcando o caminho
daqui afora.)


Walt Whitman
do livro Folhas das Folhas da Relva / Brasiliense
Tradução Geir Campos

Toda revolução digna deste nome produz seu grande poeta.
"Antena da Raça", o poeta capta, nos tempos de comoção social,
a tremenda energia vital liberada pelas grandes transformações
coletivas, em seu momento agudo, revolucionário ou insurrecional.
Assim, se Maiakovski é o poeta da Revolução Russa, não é exagero
dizer que Walt Whitman (1819-1892) é o poeta da Revolução Americana,
ocorrida uma geração antes (1776) antes do seu nascimento.
O fato (ou o fado) de as revoluções apodrecerem, por mais altos que
sejam seus ideais, pouco afeta a poesia dos que a exaltaram, por elas
exaltados, em seu momento puro, em sua hora plena, em seu meio-dia.
Dai-nos, hoje, Senhor, a utopia de cada dia.
Whitman, o primeiro beatnik, vive da longa vida que só uma grande
poesia (ou uma grande revolução) irradia.

do prefácio de Paulo Leminski
repostando o poema "Uma vela à Nossa Senhora da Boa Morte"
foto: calçada de Copacabana projetada por Oscar Niemeyer

UMA VELA À NOSSA SENHORA DA BOA MORTE

a liberdade bastarda se infiltra onde
o céu encontra a terra
denuncia intensa atividade literária

essa idéia no papel derramada assim feito gelatina
nem parece uma idéia parece mais um
estorvo feito de cimento e osso

o sol miúdo sem bolor entesourado e mudo
desonera de rapapés e obrigações um aglomerado de
letras na biblioteca universal dos manuscritos

toda tradição se renova pela libertinagem
a boa nova vem pelo esquecimento intencional das regras
um livro que não descenda de nenhum outro é uma indecência

de sorte que o pecado original da invenção
mais que matar o padre e ir ao cinema
é declarar-se órfã pretender-se sem pai sem par

numa semana ensolarada de 22
um bebê de proveta aproveita a tarde à beira mar
no calçadão desenhado por Niemeyer

alexandre brito

do inédito
Cine ABC
repostando Fereira Gullar porque Ferreira Gullar é Ferreira Gullar
Ferreira Gullar

PELA RUA


Sem qualquer esperança
detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, domingo,
enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.

Sem qualquer esperança
te espero.
Na multidão que vai e vem
entra e sai dos bares e cinemas
surge teu rosto e some
num vislumbre
e o coração dispara.
Te vejo no restaurante
na fila do cinema, de azul
diriges um automóvel, a pé
cruzas a rua
miragem
que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios
e se esvai nas nuvens.

A cidade é grande
tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
talvez na rua ao lado, talvez na praia
talvez converses num bar distante
ou no terraço desse edifício em frente,
talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
misturada às pessoas que vejo ao longo da Avenida.
Mas que esperança! Tenho
uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade.

A noite se ergue comercial
nas constelações da Avenida.
Sem qualquer esperança
continuo
e meu coração vai repetindo teu nome
abafado pelo barulho dos motores
solto ao fumo da gasolina queimada.

Dentro da noite veloz (1962-75)


OSWALD MORTO

enterraram ontem em São Paulo
um anjo antropófago
de asas de folha de bananeira
(mais um nome que se mistura à nossa vegetação tropical)
As escolas e as usinas paulistas
não se detiveram
para olhar o corpo do poeta que anunciara a civilização do ócio
Quanto mais pressa mais vagar

O lenço em que pela última vez
assoou o nariz
era uma bandeira nacional
NOTA:
Fez sol o dia inteiro em Ipanema
Oswald
de Andrade ajudou o crepúsculo
hoje domingo 24 de outubro de 1954

O vil metal (1954-60)


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Na vertigem do dia (1975-1980)

MEU PAI

meu pai foi
ao Rio se tratar de
um câncer (que
o mataria) mas
perdeu os óculos
na viagem

quando lhe levei
os óculos novos
comprados na Ótica
Fluminense ele
examinou o estojo com
o nome da loja dobrou
a nota de compra guardou-a
no bolso e falou:
quero ver
agora qual é o
sacana que vai dizer
que eu nunca estive
no Rio de Janeiro

UM INSTANTE


Aqui me tenho
como não me conheço
nem me quis

sem começo
nem fim

aqui me tenho
sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
transparente

Muitas vozes (1999)


CANTIGA PARA NÃO MORRER

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

Dentro da noite veloz (1962-75)




POEMA BRASILEIRO


No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

Dentro da noite Veloz (1972 - 75)



Ferreira Gullar
é talvez, junto com Augusto de Campos, um dos grandes poetas brasileiros ainda vivos que, podemos dizer, influenciaram decisivamente a tradição deste gênero no Brasil. flertou com os poetas concretos, participou da fundação do movimento neo-concretista, afastou-se destes, sempre mantendo uma postura crítica independente. seu "Poema Sujo", escrito em 1975, respondendo às circunstâncias criadas pelo regime de excessão instalado pelos militares desde o golpe de 64, foi lido e relido clandestinamente em inúmeras reuniões por militantes, intelectuais e estudantes, naqueles difíceis anos de chumbo. seu trabalho sempre permaneceu aberto às experiências estéticas inovadoras. ainda em atividade, sua linguagem vai além do horizonte das palavras. o poeta, também crítico de arte, pinta quadros, faz colagens e desenhos. é o que ele chama de seu "lado B".

Alice Ruiz por Lucila Wroblevski


praga para Alice


que o curto
seja de um grande curtir

que o longo
seja de um breve haicai

que tudo seja
de tal forma
que assim seja


alexandre brito
do livro O Fundo do ar e outros poemas / Ameopoema Editora
www.ameopoema.com.br

repostando o poema de Alice Ruiz para o livro Visagens de Alexandre Brito
manuscrito com poema/praga de Alice, sabiamente preservado
por Alonso Alvarez, em noite curitibana memorável de 1986.


praga para o Alexandre


que o breve
seja de um longo pensar

que o longo
seja de um curto sentir

que tudo seja leve
de tal forma
que o tempo nunca leve

Alice Ruiz
praga- poema de apresentação
ao livro Visagens - Alexandre Brito / Arte Pau Brasil

foto contracapa: Clóvis Dariano

Música Legal com Letra Bacana

O álbum Música Legal com Letra Bacana foi lançado em 2005, pela gravadora YB. São 14 músicas que tiveram a produção musical do Maurício Tagliari. recebeu elogios da crítica especializada. as canções Nostradamus, A formiga, Só você, Exageros, O Brasil não é, Afudê, foram destacadas pelos jornalistas Tarik de Sousa (Jonal do Brasil) e Lauro Lisboa (Estadão).

27/08/2009


foto de Manuel Bandeira em seu observatório de livros


ESTRELA DA MANHÃ


Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte


Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras

Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra
[e direi coisas de uma ternura tão simples

Que tu desfalecerás

Procurem por toda a parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

Manuel Bandeira
do livro Estrela da Manhã.


A CÓPULA

Depois de lhe beijar meticulosamente
o cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
o moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
culhões e membro, um membro enorme e turgescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinenti,
não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: - "Eu morro! queres que eu morra?!"
Grita para o rapaz que aceso como um diabo,
arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo
(que depois irá ter sua ração de porra),
lhe enfia cona adentro a o mangalho até o cabo.

Manuel Bandeira



escultura: Lowe London

a realidade é uma oficina pirogênica

no sopé
da grande bunda pasmacenta
a cloaca sagrada expele repugnâncias e bem-aventuranças
que o artista decompõe pacientemente em seu
atelier psicobélico de inutilidades

cada fibra
cada naco putrefato levado ao sol
cada rejeito dejeto embalagem plástica reciclada
uma fratura exposta, acinte-impropério, artefato belicoso
sob encomenda para a Bienal Internacional das Artes
de São Joaquim de Campos Leão

enquanto isso a cidadela se diverte
na opulência de sua indiferença degenerada
costela gorda polenta assada drogas mentiras e sexo pago
integralmente deduzível da pessoa física

alexandre brito
do inédito Cine ABC



Gozavam das primeiras núpcias quando a fatalidade os atingiu: morreram felizes para sempre.

alexandre brito
do inédito sem nome


O álbum Música Legal com Letra Bacana foi lançado em 2005, pela gravadora YB. São 14 músicas que tiveram a produção musical do Maurício Tagliari. recebeu elogios da crítica especializada. as canções Nostradamus, A formiga, Só você, O Brasil não é, Exageros, Afudê, foram destacadas pelos jornalistas Tarik de Sousa (Jonal do Brasil) e Lauro Lisboa (Estadão).
poesia brasileira contemporanea - contemporary Brazilian poetry


Fez uma breve e meticulosa retrospectiva mental. Agora finalmente poderia deitar a cabeça no travesseiro e dormir. O corpo do psiquiatra jamais seria encontrado.


alexandre brito
do inédito sem nome.
poesia brasileira contemporanea - contemporary Brazilian poetry



Sentiu ciúme ao ver outro garoto dependurado na goiabeira da sua infância.


alexandre brito
do inédito sem nome.
poesia brasileira contemporanea - contemporary Brazilian poetry



Zé Pelintra do Catimbó

o mal-ajambrado pretende fazer boa figura
presunçoso nos modos e no vestir
não sente constrangimento algum de seus atos sensuráveis
dá um trato legal no visú
e sai por aí esbanjando malandrage
idade não desmerece
preto quase preto retinto
terno branco de bric
camisa de cetim vermelho, chapéu
branco também, usadinho em bom estado
de bric também
e já vai ele de bengala,
corrente dourada, anéis nos dedos
elegância manemolente
lhe cairia bem um dente de ouro no sorriso
mas não tem pro gasto
vai baixar lá no catimbó da Mãe serena
antiga na religião
renega Umbanda, Candomblé, Batuque
Catimbó é tradição
Mãe preta gosta de batidinha de coco
pinga com butiá, ou purinha mesmo
Mãe serena é Zé Pelintra
tem festa no Congá.

alexandre brito
do inédito Cine ABC
poesia brasileira contemporanea - contemporary Brazilian poetry



sopra o vento
sento em silêncio
sentir é lento



alexandre brito
do livro Zeros / Coleção Petit-Poa

poesia brasileira contemporanea - contemporary Brazilian poetry
Las Manos del Horror - Guaysamin

a coisa

acelerou na curva
ao entrar na Cavalhada avistou longe um passageiro
na parada uma surpresa. ninguém
fora ilusão de ótica? podia jurar que vira alguém
sua vista aguçada não costumava errar. tudo bem
passava da meia-noite e meia. estava cansado
seria a última viagem antes de recolher

arrancou o carro. engatou uma segunda
virou para comentar o fato com o colega
desaparecera
mais frio que aquela noite de inverno foi o arrepio
que percorreu-lhe. incrédulo olhou uma outra vez
para certificar-se do que acabara de ver
evaporara mesmo. vestígio algum do cobrador

seguiu para o fim da linha direto sem escalas
não pararia nem para o papa
mas nem bem acabara de pisar fundo o acelerador
um ruído. a catraca gira
aquele som não fazia sentido
o sentido da avenida não fazia sentido
o horror agira. a coisa finalmente o atingira

alexandre brito
do inédito Cine ABC