10/02/2008



SAINDO DE PAUMANOK
(fragmento)

11.
Uma vez no Alabama, enquanto eu dava
o meu passeio matinal,
vi pousada uma fêmea de pardal
em seu ninho entre os galhos
chocando seus filhotes.

Eu vi também o passarinho-macho
e parei a escutá-lo
ao alcance da mão
inflando o peito e gorjeando em júbilo.

E estando ali parado, me ocorreu
que o canto dele
não era só para o que estava ali,
nem para a parceira dele
nem mesmo para ele só,
nem para tudo que os ecos mandavam
de volta
- mas muito além, sutil e clandestina,
era mensagem transmitida e oculta herança
para os que estavam acabando de nascer.


ENQUANTO EU LIA O LIVRO


enquanto eu lia o livro,
a famosa biografia:
- então é isso (eu me perguntava)
o que o autor chama
a vida de um homem?
e é assim que alguém,
quando morto e ausente eu estiver,
irá escrever sobre a minha vida?
(Como se realmente alguém realmente soubesse
de minha vida um nada,
quando até eu, eumesmo, tantas vezes
sinto que pouco sei ou nada sei
da verdadeira vida que é a minha:
somente uns poucos traços
apagados, uns dados espalhados
e uns desvios, que eu busco
para uso próprio, marcando o caminho
daqui afora.)


Walt Whitman
do livro Folhas das Folhas da Relva / Brasiliense
Tradução Geir Campos

Toda revolução digna deste nome produz seu grande poeta.
"Antena da Raça", o poeta capta, nos tempos de comoção social,
a tremenda energia vital liberada pelas grandes transformações
coletivas, em seu momento agudo, revolucionário ou insurrecional.
Assim, se Maiakovski é o poeta da Revolução Russa, não é exagero
dizer que Walt Whitman (1819-1892) é o poeta da Revolução Americana,
ocorrida uma geração antes (1776) antes do seu nascimento.
O fato (ou o fado) de as revoluções apodrecerem, por mais altos que
sejam seus ideais, pouco afeta a poesia dos que a exaltaram, por elas
exaltados, em seu momento puro, em sua hora plena, em seu meio-dia.
Dai-nos, hoje, Senhor, a utopia de cada dia.
Whitman, o primeiro beatnik, vive da longa vida que só uma grande
poesia (ou uma grande revolução) irradia.

do prefácio de Paulo Leminski

06/02/2008


nada sei
e esse saber me é inestimável

quando criança
(um ano e pouco se tanto)
olhava as coisas sem saber seus nomes

no mundo inominado
ver era quase só o que eu sabia

hoje
setenta invernos completos
despir as coisas do que significam
tornou-se meu passatempo predileto


em meu esquecimento
repousam as cinzas da palavra extinta


alexandre brito
do inédito Cine ABC

04/02/2008

Sussu fotografada por Julia Cruz


Fala de pés descalços

Lê de braços abertos
Desenha com os seios de fora
Atende o telefone de costas
Abre a geladeira de bruços
Demora no banho sentada
Ri de pernas cruzadas
Esquece um nome deitada
Beija com o braço esticado
Sonha com as mãos no bolso
Acorda de unhas pintadas
Nasce de olhos fechados
Anda de cabelos molhados
Pensa com os cotovelos no chão
Come de joelhos apoiados
Repousa de qualquer maneira


Diego Petrarca

02/02/2008



Fodam-se as regras
de gramática e redação
Os acadêmicos não são deuses
pra decidir quem é bom ou não

Danem-se os verbos
e suas regras de conjugação
Esses se acham padres
capazes de dar sermão

A literatura é cristo,
um santo que estende a mão
Um poço de sabedoria,
sem limite para o perdão

Pregadores são os que escrevem
relatando o seu tormento
e fingem não ser seu o sofrimento

A poesia é anjo que chega e comunica
que ensina o amor novo
e apaga a chaga antiga



Estrela Ruiz Leminski

do seu livro de estréia Cupido: cuspido, escarrado / Ameopoema Editora
www.ameopoema.com.br



o poeta precisa
de uma caneta
e um papel
por perto,
um computador,
um guardanapo e um batom,
ou ficar olhando para o teto
soletrando coisas
tentando imprimir na memória
até que alguém
estoure a bolha
o sinal abra
o filho chore
alguém empurre por trás na fila

o poeta, então, guarda o poema no bolso

poetas precisam ter consigo
ao menos
um pequeno bloco de notas
e um lápis com ponta



João Angelo Salvadori

do livro Teleférico / Ameopoema Editora
www.ameopoema.com.br

01/02/2008




meus olhos querem os outros
caminhos que não são meus
pequenas coisas grandes
canções que não sei cantar

como um girassol à noite
meus olhos querem os teus
céu de outro lugar



alexandre brito
do livro Zeros / Coleção Petit-Poa